Paradiplomacia: uma realidade mais que um conceito
Em 2003, poucos meses antes de assumir o mandato de deputado federal pelo Rio de Janeiro, fui convidado a criar uma “coordenadoria de relações internacionais federativas” no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. A ideia partira do então Subchefe de Assuntos Federativos, Vicente Trevas, e a julguei de imediato fascinante.
Como diplomata cedido à Presidência da República, coube-me mapear e apoiar as ações internacionais dos estados e municípios. Era a primeira vez em que a União percebia a capilaridade internacional dos entes subnacionais como ativo estratégico para o conjunto da federação. Em última análise, o “jogo combinado” certamente elevaria a inserção internacional do país como um todo, já que um dos pilares do atual processo de Globalização é justamente a construção de canais comunicantes entre o “local” e o “global” - a que diversos autores denomina “glocalização”.
Nesse contexto, surpreendi-me com o esforço diplomático de estados e municípios por superar desafios a seu desenvolvimento sustentável a partir da interação e cooperação com suas contrapartes estrangeiras. A serviço no exterior em diversas embaixadas e consulados, já havia testemunhado muitos exemplos dessas iniciativas, bem como, por vezes, lamentado a ausência de instrumental diplomático teórico e prático por parte de seus agentes. A mesma carência, infelizmente, observara na diplomacia corporativa de nossos entes privados.
De concreto, em minha passagem pela Casa Civil, relato aqui algo que me despertou para os aspectos jurídicos da paradiplomacia e que me levaram a propor a PEC 475, em 2005. Como responsável pela cooperação direta entre cerca de quarenta municípios brasileiros e cinco regiões italianas (Toscana, Emilia-Romagna, Marche, Bolonha e Umbria), logo percebi a inadequação de nossa Constituição Federal a esse fenômeno irreversível da atualidade.
Por envolver investimentos e financiamento estrangeiros, e impossibilitado de honrar compromissos internacionais com seus próprios ativos, os municípios brasileiros recorreram à União como sua patrocinadora. Ocorre que, no caso em tela, a Constituição brasileira tampouco permite que a União assine acordos com sub-regiões estrangeiras. Da parte italiana, mesmo não sendo uma federação, o país havia adicionado a seu texto constitucional a permissão para que suas regiões afirmassem diretamente acordos internacionais. Em suma, Brasília, em nome das cidades brasileiras, somente poderia assinar o acordo com Roma, enquanto esta já havia delegado, por preceito constitucional, capacidade jurídica internacional a suas regiões.

O exemplo revelou-me que, diferentemente da vizinha Argentina e do conjunto de repúblicas federativas da atualidade, a Constituição brasileira impede tal autonomia e subjuga o interesse internacional de seus entes subnacionais ao entendimento circunstancial do Governo federal. Constitui, assim, flagrante anacronismo jurídico-político a que o Instituto de Diplomacia Direta se propõe remediar.
Rio de Janeiro, 11 de abril de 2021
André Costa